domingo, 20 de setembro de 2009

Sobre Cegueira, Gripe Suína e Dignidade

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"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."

O Direito somente prospera em tempos de paz. Não se trata de uma generalização, nem, tampouco, de um apotegma jurídico. É sim uma simples conclusão, mais provida de subjetividade que de qualquer outra coisa.

É sabido que o Direito se sustenta em dois pilares básicos. Primeiro a Justiça, imparcial e, ironicamente, cega. Em segundo, a Espada, que representa a força, a imperatividade das normas e a afirmação do legítimo monopólio estatal da violência e da força, como ensinou Max Weber. No entanto, estes dois pilares devem coexistir e se complementar reciprocamente. Quando há império de um sobre o outro, temos, de um lado, impunidade, ou, não mais grave, autoritarismo.

Diversos são os fatores que abalam as estruturas que afirmam o Direito como instrumento de poder, às vezes cego. Nos primeiros meses em que se falou da popularmente conhecida Gripe Suína, a China tomou medidas drásticas no sentido de isolar cidadãos de origem mexicana em condições humanas inaceitáveis, legitimando seu ato como preventivo em prol da saúde de seus nacionais.

Na obra Ensaio sobre a cegueira, do escritor luso José Saramago, nota-se um estado de barbárie assolando a natureza humana. A cegueira branca leva o ser humano a estágios degradantes de sua natureza e a cometer os mais nefastos atos. A dignidade antes havida, se torna algo distante no manicômio abandonado onde os personagens são remetidos à quarentena. O esquecimento das autoridades e a desumanização despem o homem dos atributos que lhe foram transmitidos pela história e reafirmados na sua própria sociedade. A única luta é pela sobrevivência.

A desumanização leva o homem, inevitavelmente, à desracionalização. Com a perda do homem racional, também se dissolve o objeto principal do Direito, tutelar as relações humana e servir de instrumento à promoção da dignidade.

Ainda, creio eu, empiricamente, se está por caminhar a um estágio de agravamento ainda maior da pandemia atual. A medida tomada na China, certamente, se repetiu e se repetirá em muitos outros países. Com o aumento das incidências da gripe suína, a luta pela sobrevivência se sobrepõe à dignidade, pois, ainda, as quarentenas se instalam em locais propícios à recuperação humana. Com a superlotação de hospitais e ambulatórios, as instalações só tendem a piorar.

Assim, Saramago nos leva a reconsiderar a amplitude do Direito como instrumento de poder e como meio regulador das relações interpessoais. Mostra-nos a fragilidade de um sistema que se sustenta soberanamente tão-somente quando a sociedade se encontra em sua normalidade, seja física ou mental.

Nairo J. B. Lopes
Imagem: INKA


sábado, 5 de setembro de 2009

"Meu tempo é quando"


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Quando eu for novamente jovem, pensarei menos no trabalho, e mais nos prazeres. Quando eu não tiver que me preocupar com problemas, dinheiro, filhos, carros e sabe-se lá o quê mais, tratarei de gastar, ou melhor, aproveitar meu valioso tempo com quem (ou o que) eu realmente quero. Quando eu não tiver que pensar em pecados, vícios e nas diversas coisas que me disseram que eu poderia ou não fazer, não mais terei certos problemas, receios e pudores em ser realmente eu. O problema é que quando eu for novamente jovem, ainda que no espírito, decerto não terei mais ânimo para me levantar da cadeira que estará na varanda, colocar de lado os livros que me proporcionaram a tão esperada juventude, e dominar o mundo como uma bola de futebol. “Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida”.

“Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me dizer que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba”[1]
Nairo J. B. Lopes


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[1]Samba da Benção, Vinícius de Moraes/Baden Powell. © Tonga Editora Musical LTDA / Direto; in "Vinicius & Odette Lara", in "Vinicius: poesia e canção - ao vivo - vol. 1"; in "Vinicius"; in "Vinicius + Bethania + Toquinho"; in "Songbook – Volume 1"; in "Vinicius".