sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O positivismo de Hart - Grupo de estudos

Gostaria de experimentar lermos algo juntos. Para começar, escolhi um capítulo de O Conceito de Direito do Hart. Para quem ainda não sabe, uma pergunta central em Filosofia do Direito é: o que confere validade a uma norma? Tradicionalmente, há duas respostas:



        - teoria do direito natural (ou jusnaturalismo): a lei válida é a lei justa. O que pressupõe duas afirmações: há uma conexão necessária entre direito e moral, certas leis jurídico-morais existem independentemente dos seres humanos. 

        - positivismo (ou juspositivismo): a lei válida é a que está de acordo com certos fatos ou regras sociais. A validade e o conteúdo da lei não dependem do seu mérito, mas de certos fatos sociais (por quem foi feita, como foi feita, como foi aplicada etc. Em outras palavras, se o legislador, o juiz etc. são legítimos). O que pressupõe que direito e moral são independentes e que toda lei é criação humana.

O principal problema do direito natural é ser muito impreciso e por isso levar a um sistema jurídico instável (como definir o que é justo?). Por outro lado, o problema do positivismo é que alguns dizem que ele permitiu a existência de regimes políticos como o stalinismo, o fascismo e o nazismo, pois muitas das atrocidades cometidas por esses regimes estavam de acordo com sua legislação. 

Hoje em dia há uma corrente que procura corrigir os erros dessas linhas, que é chamada de pós-positivismo,  e cujo principal representante é Dworkin. Esse autor criou suas teses no final dos anos setenta discutindo com Hart, que escreveu nos anos sessenta. Por isso proponho começarmos lendo Hart (e também porque ele é muito rico e uma aula sobre como escrever!). 


Em resumo, um bom objetivo para nos colocarmos é saber como determinar a validade das normas (uma lei injusta é válida? A desobediência civil é um crime como outro qualquer? O download de músicas, os abortos clandestinos etc. são crimes como quaisquer outros?). Para chegar a essa resposta é preciso decidir entre Hart e Dworkin. É isso que proponho. Quem sabe um dia poderemos chegar a discutir MacCormick e Raz e outras formulações do positivismo que tentar ir ainda além desses autores e parecem desconhecidos dos juristas brasileiros?

Prof. Lincoln Frias

3 comentários:

  1. O Positivismo Brando de Hart

    Capítulo I
    Questão: o que é o direito? (qual sua natureza ou essência?)
    1- Em que o direito difere das ordens sustentadas por ameaças e como se relaciona com estas?
    2- Em que a obrigação jurídica difere do dever moral e como se relaciona com este?
    3- O que são as normas e até que ponto elas são os elementos essenciais do direito?

    Tese: direito, coerção e moral são fenômenos sociais diferentes, mas afins.

    Teoria imperativa simples: direito é uma ordem sustentada por uma ameaça.
    Jusnaturalismo ou Direito Natural (DN): uma lei injusta não é uma lei. A lei injusta é inválida. Relação necessária entre direito e moral. A obrigação de obedecer a lei não prevalece diante da obrigação de fazer o que é justo. Há leis naturais, independentes dos sistemas jurídicos. Esses devem se adequar àquelas.
    Realismo jurídico: o direito é a previsão do que os tribunais vão fazer.
    Positivismo jurídico: as leis não obedecem necessariamente certas exigências morais, embora o façam com frequencia
    Positivismo brando: o direito é a combinação entre normas primárias e secundárias.

    Capítulo VIII – Justiça e Moral
    1- Por que a idéia de justiça tem uma ligação íntima com o direito?
    - justiça procedimental e justiça substantiva
    tratar os casos iguais de maneira igual e os diferentes de maneira diferente x como estabelecer o que é um caso diferente
    - justiça distributiva, reparativa e retributiva
    repartir bens e encargos x reparar danos x pagar pelo que fez
    Porque a imparcialidade é uma condição mínima de qualquer escolha legislativa.

    2- O que distingue as normas morais de outras normas sociais ou padrões (p.ex. jurídicas)?
    - crítica a “normas jurídicas exigem comportamento externo e as morais, interno”.
    a) importância – toda norma moral é muito relevante para a vida social
    b) imunidade à modificação deliberada – a moral não é modificada por decreto, ao contrário do direito.
    c) o caráter voluntário das infrações morais – o direito não pune intenções, apenas o resultado, a moral se preocupa mais com a intenção do que com o resultado.
    d) a forma de pressão moral – o direito pressiona com ameaças e castigos, a moral com o valor das normas e a reputação.

    - a moralidade não é formada apenas por normas/obrigações, mas também por ideiais.

    Capítulo IX – O Direito e a moral
    3- Quais as formas de relacionamento entre as normas jurídicas e as normas morais?

    DN e positivismo jurídico
    Críticas ao positivismo: A- há certos princípios do comportamento humano que podem ser descobertos apenas pela razão e aos quais as leis devem se adaptar para ter validade.
    - c-DN: leis físicas (descritivas) x leis humanas (prescritivas)
    - DN é uma teoria teleológica: o que acontece é o que deve acontecer, é bom (p.ex., semente). O homem busca a felicidade ou racionalidade não porque as considere desejáveis, ao contrário: são desejáveis porque são seus objetivos predeterminados.
    - teleologia humana: coisas necessárias (comer, dormir, defecar) x coisas boas (prazeres, desenvolvimento)  sobrevivência
    Aristóteles e Tomás (contemplação da inteligência e de Deus) x Hobbes e Hume (sobrevivência)
    - mesmo que a sobrevivência seja um objetivo ou finalidade de praticamente todos os humanos, que para alcançá-la admitem vários sofrimentos, isso não significa que isso se dê por algo além de mero desejo. Mesmo assim ela tem importância fundamental, ela estrutura nossa visão de mundo: perigo e segurança, dano e benefício, necessidade e função, doença e cura.
    - a sobrevivência é um traço necessário do direito e da moral porque todos os arranjos sociais buscam garanti-la. E nesses há algo de comum entre direito e moral (nas sociedades que o diferenciam).

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  2. conteúdo mínimo do DN
    a) vulnerabilidade humana: propensos e vulneráveis à violência. Direito e moral servem principalmente para impedi-la.
    b) igualdade aproximada: exige um sistema de acordos e abstenções recíprocos pois apenas a força não basta.
    c) altruísmo limitado: nem demônios nem anjos, por isso o sistema é necessário e possível.
    d) recursos limitados: precisamos de alguns recursos e eles não são ilimitados, o que justifica a propriedade e suas normas.
    e) compreensão e força de vontade limitadas: a maioria obedece por prudência, altruísmo ou respeito às normas, mas nem sempre e nem todos. Por isso as sanções: a colaboração voluntária em um sistema coercitivo.

    resultado: sistema de acordos e abstenções recíprocos em forma de normas sobre a pessoa, a propriedade e os compromissos. O positivista exagera quando diz que “o direito pode ter qualquer conteúdo”, há essas necessidades naturais, que derivam das características atuais dos humanos e do mundo.


    validade jurídica e valores morais (supostos relacionamentos entre direito e moral)
    - descompasso entre direito e moral é admissível: ele pode não incluir no conteúdo mínimo todos os membros (negros, mulheres, homossexuais, estrangeiros, animais)

    B- formas além do conteúdo mínimo em que a validade jurídica está ligada à moral.
    i) poder e autoridade: o sistema jurídico fundamenta-se no dever moral de obedecer à lei.
    Nega: neve haver obediência, mas não precisa ser motivada pela moral, pode ser prudência etc.
    ii) a influência da moral sobre o direito: muitas leis têm conteúdo moral.
    Aceita: não há nada demais em as leis incorporarem noções como justiça, equidade, responsabilidade coincidindo com a moral.
    iii) interpretação: a textura aberta (não é possível demonstrar que uma decisão em casos difíceis é a única correta) possibilita a discricionaridade judicial que pode usar valores morais (imparcialidade, neutralidade)
    Nega: isso não prova a conexão necessária entre direito e moral, pois os princípios morais também podem justificar a desobediência.
    iv) a crítica do direito: o sistema jurídico bom é o que está de acordo com a moral.
    Nega: qual moral? A do grupo? Mesmo que baseada em superstições ou que seja racista etc.? Ou que está de acordo com as melhores razões (direitos humanos)? Não é teoricamente produtivo dizer que sistemas de normas estáveis não são jurídicos apenas porque são iníquos.
    v) princípios de legalidade e justiça (imparcialidade): justiça procedimental é sempre necessária, moral interna do direito.
    Aceita: mas esse tipo de justiça é compatível com muitas imoralidades.
    vi) a validade jurídica e a resistência à lei: não existe lei injusta, se é injusta não é lei. Devemos punir crimes amparados por leis injustas de governos anteriores.
    Nega: é melhor abranger no direito o estudo de leis injustas:
    - vantagem teórica: só geraria confusão dizer que o estudo daquelas normas não cabe ao direito. O estudo da lei envolve estudar seu abuso.
    - vantagem prática: chama atenção para o fato de que só a validade jurídica não basta para justificar a obediência.
    Usar o conceito mais restrito mascara os problemas morais que surgem das normas: devo fazer esse mal? Devo aceitar a punição por desobedecer uma lei injusta? Devemos punir quem cometeu imoralidades legais ou não há pena sem lei? O positivismo não disfarça a escolha entre dois males: o mal de desobedecer o princípio da legalidade é maior ou menor do que o que não punir atrocidades que foram lícitas em algum momento? A punição retroativa não é um caso comum de punição.

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  3. Capítulo I
    O que é o Direito?
    Um meio de controle social, mas não é apenas ordem, ameaça, obediência, hábitos e generalidade, isso é apenas o aspecto externo das normas. A diferença entre um simples hábito social e uma norma social é que esta é um padrão que serve para orientar e criticar o comportamento, seu aspecto interno.
    O Direito é formado pela combinação de normas primárias e secundárias. As normas primárias são aquelas que definem obrigações. As normas secundárias são aquelas que regulam o reconhecimento, modificação e julgamento. O direito (sua essência) é a combinação desses tipos de normas – pois essa é a hipótese que tem maior poder explicativo.

    Características marcantes de um sistema jurídico:
    1- normas que proíbem ou restringem certos tipos de comportamento sob pena de sanção;
    2- normas que requerem que se ofereça reparação, de algum modo, àqueles que sofreram certos tipos de dano;
    3- normas que especificam o que fazer para redigir testamentos, contratos ou outros instrumentos jurídicos que outorgam direitos ou criam obrigações;
    4- tribunais que determinam quais são as normas aplicáveis e quando foram infringidas, e estipulam a sanção a ser aplicada ou a indenização a ser paga;
    5- um poder legislativo para criar novas normas e abolir as antigas.
    [6- um poder policial para desestimular a infração de normas;
    7- um sistema penitenciário para aplicar as punições aos infratores]
    Legislador, policial e juiz

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